Clarissa

Por vezes, vale a pena arrancar algumas páginas. 
e como nos é descrito nas histórias, não poderia ser mais lindo.
Ainda posso sentir seus toques sobre meu corpo, tens o meu domínio,
meu querido. Tens a minha alma.

(Sob o céu acinzentado)
O cheiro da erva misturava-se ao mofo e poeira de uma casa que a muito não via um pano de chão. Ela não entendia ao certo como uma mãe podia viajar e deixar a casa sozinha com um filho de dezenove anos que nem ao menos terminara o colégio. Talvez pensasse assim pela maneira que fora criada, sem nenhuma confiança dentro de casa. O som alto ecoava dentro do cômodo, a fumaça ainda cobria sua vista, mas nada que incomodasse. Tentava ignorar os gemidos do outro lado do sofá, enquanto a respiração intensificava-se com os toques em seu corpo, a pele arrepiada e o frio na barriga que parecia nunca cessar, apenas voltar com mais força. Olhava o cinza manchado de limo das telhas, as unhas cravadas no lençol encardido e um breve sorriso nos lábios. Por entre suas pernas, sentia a língua úmida do namorado brincar com seu sexo, por vezes lhe fazendo cócegas, por outras, apenas lhe fazendo respirar fundo. Sempre achara que o prazer seria imenso, devido à pesquisa com amigos e até mesmo a sua imaginação sem controle, mas talvez por efeito da maconha, lhe parecia tão comum como um toque nos seios, quente no começo, porém não difícil de se acostumar. Pensar que agora teria o que escrever, e seria tão sem emoção lhe frustrava um pouco, e por mais que agora lhe parecesse falso, preferia usar de sentidos imaginários.
As mãos de Rafael subiram por suas pernas então, acariciando sua cintura. Clarissa apenas engolira em seco, olhando brevemente para o lado, onde Camila movimentava-se em cima do dono da casa, segurava os cabelos com as mãos e gemia exageradamente ainda, enquanto mexia os quadris. Rafael tocou-lhe os lábios então, ao que ela virou-se para ele, a respiração um pouco funda, nada fora do comum como lhe dissera uma amiga.
- Falou sério quando disse que nunca tinha transado? – perguntou a ela então, o órgão rijo tocando suas intimidades agora.
Clarissa engoliu em seco. Confirmou com a cabeça, fazendo-o sorrir assim, malicioso. Não tinha o corpo muito desenvolvido em seus treze anos ainda, quase quatorze. Os seios pequenos também estavam rijos, mais pelo frio que sentia do que por qualquer outra coisa. Os olhos fitavam-no, um tanto curiosos, um tanto receosos. Namoravam há meses ainda, porém não podia se permitir andar de mãos dadas e beijos apenas, não pelo padrão de vida que escolhera. Camila sempre lhe dissera para ousar, sair das regras impostas por sua mãe de uma maneira que depois pudesse rir, que pudesse contar aos outros e deixa-los boquiabertos, e mais ainda, que a ajudasse no que tanto gostava de fazer. Escrever. O ultimo argumento lhe parecera bastante convincente. Como podia ter uma personagem meretriz se nunca sentira o prazer do sexo?
Os olhos voltaram a ficar distantes, enquanto seus pensamentos novamente tomavam contas. Os toques dele pareciam suaves de começo, assim como os beijos em seu pescoço, e as palavras de conforto que imaginara ouvir. Fechou os olhos então. Os cheiros que impregnavam no ar dissiparam-se, assim como todo a sujeira em volta. As nuvens tocavam sua pele, arrepiando-a, e enquanto flutuava, via apenas o rosto daquele que detalhava em folhas amareladas de cadernos antigos, os olhos cegos ainda assim conseguiam mira-la com suavidade e nenhuma palavra seria preciso, sabia que estaria bem independente do que sentisse.
Mas não estava. Quando a penetrou de uma vez, a realidade voltou rápida e novamente fria. Fechou mais fortemente os olhos então, cravando mais as unhas no colchão da cama de solteiro, tentando prender o gemido dolorido. Sentiu o líquido quente escorrer-lhe pela perna, manchando de vermelho os lençóis abaixo de seus corpos. Não teve coragem de abrir os olhos, os movimentos continuavam no mesmo ritmo, as expressões doloridas eram bem visíveis em seu rosto, mas ele não pararia. Sabia que não.


                                                                                              (...)

Folhas, palavras ao vento. 

"Por vezes a dor me faz parecer covarde. A vontade de gritar e implorar que me dêem a devida atenção, implorar para que façam a dor passageira. Por que ninguém me escuta gritar? Meu coração bate tão acelerado esta noite, as lágrimas ainda correm minha face pálida demais, deixada de lado pelo sol. Camila dorme. Todos parecem anjos quando dormem, com ela não seria diferente. Por vezes achava que devia minha devoção a ela, em outras apenas queria desistir de tudo, o mundo podre que me ajudou a criar. E por que não desistir? E a pergunta paira no ar sem resposta. Não vale a pena dormir se logo (...)  teria de estar de pé para a escola em menos de uma hora. Terei de repor o sono quando estiver em casa por fim. Meus pulsos ainda doem, me ajudam a esquecer da noite. Bem... enfim, Clarissa, um belo aniversário de 14 anos. Prefiro não imaginar onde estarei com 18. Espero eu que não num bordel.”

Oh, claro. O presente da Camila. Minhas sensações mesclam nojo e arrependimento.
Pensei que não falasse sério quanto a foto. Já faz tanto tempo...
Lindo presente, querida.



(21 de julho – 14 anos)
Por ela, certamente a abraçaria o mais forte que pudesse em forma de agradecimento, o que mandava seu interior. A mãe de Camila sempre lhes ajudava de alguma forma, e sabia ser quase um milagre encontrar alguém com lábia suficiente para convencer a mãe de Clarissa a deixa-la sair para algum lugar e voltar apenas no dia seguinte. Aos poucos começara a confiar em dona Ivone, deixava a filha dormir em sua casa e em trocas, ficavam horas conversando no telefone sobre assuntos que não interessavam a ela. Clarissa apenas lhe devia a gratidão, o único que pedia como forma de agradecimento.
- E além do mais, já lhe expliquei que gosto que ande com minha Camila. – dizia ela sempre. – Sua mãe deveria soltá-la mais, e faço isso também para que sua liberdade não seja trancafiada dentro de um confessionário de igreja, Clarinha. – o sorriso sempre irradiando o rosto enrugado e bem maquiado.
Estava tudo caminhando perfeitamente bem.
À tarde, na casa de Camila mesmo, o bolo de aniversário preparado pelas amigas de escola fora o melhor que já tivera, mesmo com o fundo queimado e um tanto salgado pelo fermento acumulado na massa fina. Não tinha idéia da surpresa planejada por elas, assustara-se realmente com os balões coloridos explodindo e o guache lhe borrando o rosto como traquinagem armada. Os presentes mais simples que já recebera estavam guardados agora como maiores tesouros, cartas e ursinhos de pelúcia em miniatura, livros usados e cadernos com folhas limpas, tudo devidamente em seu lugar. E a companhia. Nada melhor do que elas a seu lado.
- Onde está seu namorado? – perguntou Anita inocentemente, uma das sobrancelhas arqueadas.
Clarissa apenas deu de ombros, como se realmente não se importasse. Sabia que não iria, talvez nem mesmo o veria naquele mesmo dia. Quase nunca falava sobre ele, nem mesmo sentia-se tentada a isso, pelo contrário. Chegava a envergonhar-se do chamado Rafael. Mas nunca comentava. Preferia calar-se, guardar para si.
Como riram naquele dia. Não se lembrava de quando riram tanto por tantas bobeiras, e comeram, e choraram. Tudo tão natural. Às vezes, queria perder-se naquela realidade, afogar-se no refugio que as amigas ofereciam. Até Camila era uma criança perto das outras, suas brincadeiras e idéias pareciam tão inocentes.
Mas a noite não demorou a cair.
- Se eu não for pra casa agora, meu pai vem me buscar junto a uma tropa de elite. – comentou Renan, dando uma risada afetada enquanto arrumava as coisas. – Me acompanha, Clarissa?
- Ah, não. Vou dormir por aqui hoje. – disse a menina deitada no sofá, o olhando.
- Vamos sair. Comemorar um pouco mais, não Clair? – sorrio Camila a ela.
- Até iria com vocês se não imaginasse pra onde. – Estela revirou os olhos. – Lembrando que amanhã Jacira passa prova, viu?! Não vou passar cola a quem não estudou.
- Sem problemas, sabidinha! Não quero colar de ti. – revidou Camila.
- E voltemos ao normal. – Renan respirou fundo. – Melhor irmos, queridas. Sem confusões por hoje, férias disso!
- Renan ta certo! Casa? – sugeriu Anita, sorrindo e ajeitando o vestido.
E logo, cada um seguia para a sua, deixando apenas Clarissa e Camila na casa da ultima.
Enquanto Camila tomava seu banho demorado, a outra se apossava do computador. Não tinha muito a fazer. Algumas horas de jogos (RPG – Role Player Game) e algumas conversas mais.