Elizabeth

Do que valiam agora os sonhos, se aqueles que mais nos importamos não estão por perto? Agora vejo que infância e juventude não passaram de ilusões. – Por E. Ravenclaw.


Sobre Elizabeth Ravenclaw.
Faz quatro anos. São exatamente mil quatrocentos e sessenta novos dias, e nesse tempo todo, não sei pensar em outra coisa. Com onze anos, jovens bruxos estão eufóricos para ingressar numa nova fase, trilharem seu caminho para um novo futuro, mas eu só faço pensar nele, na promessa de que hoje estaria comigo, acenando da Plataforma nove três quartos. Mas os bichos da terra o roubaram para si, tinham cada pedacinho de carne e depois da carne, o coração... Depois de usurpar corpo e alma, sobraria apenas a carcaça. Será que me deixariam ficar com a carcaça de meu pai? Duvido muito. Não seria mais a mesma coisa. Agora, preciso esperar minha mãe se arrumar para me levar à estação... E enquanto isso acho que devo me apresentar a um diário que não fala, não sente, apenas faz replicas das minhas falas, emoções e sentimentos. Me chamo Elizabeth Charlotte. Elizabeth foi escolha dele, o meu pai, e tem algo a ver com uma rainha do mundo trouxa. Charlotte foi para entrar num consenso com minha mãe que gostava do nome, algo a ver com uma amiga que já estava morta... Meu segundo nome é de um defunto que eu nem se quer conheci. E como sobrenome, Ravenclaw. Meu fardo. Todo bruxo britânico conhece um pouco da história da escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, sabem ao menos que foi construída por quatro criadores, e dentre eles, Rowena Ravenclaw. Ela já não existe a mais de séculos, mas ainda carrego seu nome, herança também de meu pai, o qual honro muito. Mas o que mais acompanha a fama de Rowena é sua inteligência, característica de qualquer bruxo que pertença a Corvinal, casa criada por ela em Hogwarts. Até agora, sei que não sou nenhuma ignorante, mas tenho medo de como me sairei na escola. Nasci no dia 07 de Agosto, tenho onze anos agora. E logo estarei me mudando daqui, da casa da minha mãe. Não é uma mudança definitiva, mas pelo tempo que vou passar na escola, é quase um novo lar, e para não ser mentirosa, é bem melhor. Vou evitar muitas coisas. Minha mãe, S. Evila disse que podemos compartilhar as coisas por essas páginas, apenas se eu quisesse. Não quero. Não queria que ela me levasse a estação e não queria ao menos estar morando junto dela, mas ainda sou menor e só tenho a ela. As coisas nem sempre são justas. Sem mais histórias por aqui. Logo ela estará pronta, sairemos e enfim, Hogwarts. Só queria pensar em outra coisa.


Hogwarts Express.
O trem corria os trilhos a mais de duas horas. O som das rodas riscando o metal juntava-se com o papear do lado de fora da cabine, mas o que a desconcentrava não eram os sons monocórdios que ouvira desde o início da viagem. Era Elizabeth e mais duas garotas, que pareciam não entrar num consenso sobre um assunto qualquer e insistiam em falar em sussurros. A visão ficava turva a todo o momento, enquanto tentava continuar ligada a leitura, um livro que fantasiava lendas bruxas, como os contos de fada de Beedle. Vezes por outra, erguia os olhos para as duas a sua frente. Uma delas permanecera quase o tempo todo de braços cruzados, as feições duras entre o deboche e irritação eram quase cobertas pela franja marrom. A outra tentava pacientemente explicar-lhe algo sobre a importância das casas comunais, que cada uma tinha sua peculiaridade, que deveriam saber reconhece-las.

- Úrsula! Pare de falar, eu não quero ouvir você! Tanto faz, não me importo com a sua casa comunal... – a garota da janela descruzou os braços para apoiar as mãos no estofado do banco, inclinando o corpo sobre a outra – Quanto a minha, não há duvidas!
- Catherine... – acuou-se, baixando brevemente os olhos.
- Já disse, pare de falar! – e pareceu dar fim ao assunto.
Sabia que não era bem como falavam. As casas para as quais seriam encaminhadas eram tão importantes quanto suas notas durante o ano, e quanto a ela, era questão de honra. Não via razão para o chapéu seletor repousar em sua cabeça, sabia ela que Corvinal a aguardava desde o nascimento. Por um segundo, pensou no que seria se outra casa a selecionasse. E ao pensar na histeria da mãe, desejou ardentemente estar em qualquer outra, mas não durou muito. Elizabeth respirou fundo, tirando do rosto a mexa loura que escapara do rabo de cavalo comprido. Voltou-se ao livro no silencio da cabine, mas não mais entendia o que as linhas queriam dizer. Como a menina poderia estar certa da casa em que cairia, tão certa quanto ela? Nada era concreto ainda.
Fechou o livro, esfregando os olhos e permanecendo com as mãos sobre eles por um tempo. Um latejar da cabeça a fez esquecer brevemente das vozes ao redor, esquecer qualquer coisa que pensava. Sentiu a brisa leve do vento acariciar-lhe a testa, suavemente. E sorriu. Era assim que reconhecia a presença dele, nos detalhes mais pequenos que a acalmavam. Sentia-se como a menina da infância, pronta para afundar no abraço de um pai que não mais estava presente. Não fisicamente. Quando voltou a abrir os olhos, uma das tagarelas a fitava, curiosa. O brilho nos seus era mais chamativo do que suas vestes maltratadas, seus cabelos opacos e a pele pálida. Sorriu em resposta a Elizabeth.
- Lindos pensamentos, Elizabeth... – Úrsula disse, atraindo o olhar da companheira de banco para ambas.
Suas palavras deixaram-na intrigada. Nenhum bruxo tinha o poder de ler mentes antes do termino do ano. Muitas vezes, nem ao menos aprendiam a arte da legilimência. Suas faces ficaram rubras, mas tratou de pigarrear e procurar as palavras certas para perguntar-lhe. Apenas entreabriu os lábios, mas antes de pronunciar qualquer coisa, Úrsula voltou a dizer:
- Seu sorriso, seus olhos... Não preciso de uma grande inteligência para imaginar as coisas lindas que passam na sua mente. – continuava com o mesmo sorriso convidativo, além da ponta de curiosidade.
- Como sabe meu nome? – Elizabeth enrijeceu a expressão.
A menina apenas apontou para a mala em cima de suas cabeças, onde estava escrito em letras redondas “Elizabeth C. R”. Diferente das outras que destacavam o sobrenome, a assinatura era singela. Não queria expor quem era e criar uma soberania desnecessária. Elizabeth sentiu-se um pouco mais aliviada, era apenas o óbvio.
- Na realidade, ela é uma bisbilhoteira. – o olhar de Catherine a Úrsula foi reprovador. – Mas é de se esperar que não a tenham ensinado boas maneiras, vinda de onde veio. – voltou-se a Elizabeth então. – Não precisa dar atenção. Sou Catherine... – um sorriso de desdém pintou-lhe os lábios. – Catherine Slytherin... 

Não pode esconder a surpresa. Havia tantos descendentes de fundadores das casas, mas não imaginara que um nome, como o dela ou agora o de Catherine, pudesse sobreviver por tanto tempo. Uma geração de descendentes fez com que o nome Ravenclaw prevalecesse com tanta força como a tantos séculos atrás, e o mesmo devia de ter acontecido com Slytherin, talvez por um motivo que envolvesse um jogo de poderes vendo pelo histórico do fundador da casa verde e prata. Sua mente não deixara de pensar no como seria se as duas fossem amigas. E se a outra, Úrsula, fosse descendente de Gryffindor ou Huffleppuff? Seriam uma nova lenda, quem sabe. Elizabeth não pode deixar de esboçar um sorriso.
- Ela é Úrsula Lestrange... – o anuncio de Catherine, mesmo que a idéia parecesse boba, esmorecer.
- Prazer. – a outra sorriu meio sem graça.
Conhecia também o sobrenome Lestrange. Bellatrix Lestrange fora levada para a prisão de Azkaban após a queda daquele que os bruxos não pronunciavam o nome, acusada de aliança com as trevas e de torturar uma família até leva-los a loucura. Só não sabia que havia herdeiros.
- Ela veio de um orfanato trouxa e não tem modos... Meu pai não achou justo deixa-la naquele lugar, já que a família Black é tão ligada aos Malfoy. – completou Catherine.
- Black e Malfoy? – Elizabeth arqueou as sobrancelhas. Não tinham mencionado os dois últimos nomes.
- Catherine Malfoy Slytherin... – disse, como se apresentasse novamente – e Úrsula Black Lestrange. Nos da um parentesco distante, e fico feliz que seja muito distante.
- Não seja tão grosseira! – replicou Úrsula.
- Não estou sendo! Mas espero que Hogwarts a ensine como uma bruxa deve se comportar!
Úrsula pigarreou irritadiça, voltando-se a Elizabeth um tempo mais tarde, desviando o assunto.
- Diga-me... Em qual casa comunal espera cair? – arqueou as sobrancelhas, esperando resposta.
- Corvinal. – disse automaticamente.
- Por que? – fez nova pergunta em meio à curiosidade e uma breve careta de Catherine.
- Hum... Elizabeth Ravenclaw. Acho que explica. – deu um meio sorriso. Saberiam uma hora ou outra.
Catherine tirou a franja dos olhos, boquiaberta, enquanto os olhos de Úrsula não puderam esconder a decepção. Era o peão em meio a reis e rainha... eram sempre os peões que caíam quando a guerra estourava.